A natureza conversa com a gente

 
 

ah, conversa sim

 

vou contar aqui, o que foi que vi

que senti

nesse último verão

 

um verdadeiro "conversê"

conosco

 

mas nem todos ouviram

 

fomos passar alguns dias na praia

réveillon, início de janeiro

 

sabe, aquele momento com o qual sonhamos o ano inteiro?

bem aqui dentro da gente

no nosso coração

na nossa cabeça

o que levar

quem irá conosco

tudo deliciosamente planejado

 

aconteceu

chegamos lá

 

a viagem começou

por dentro

e por fora

 

nosso apartamento é bem em frente ao mar

e da varanda ficava olhando o movimento

 

das pessoas

das marés

dos vendedores de balões

dos sorveteiros

dos pescadores

dos namorados

dos atletas

 

dos perdidos na noite

e dos perdidos nos dias

 

um verdadeiro espetáculo

 

havia um ritmo

 

era mais ou menos assim

 

pela manhã bem cedinho,

uma brisa

tudo muito limpo, calmo

silencioso

 

pouca gente nesse horário.

 

uns prá lá

outros prá cá

 

no alto mar barcos de pescadores

 

no canto direito da praia, muitos surfistas

 

perto das oito da manhã, os movimentos já eram outros

as barracas e guarda-sóis começavam a ser armadas

uma distribuição simétrica da areia

 

e aos poucos,

aquele mar de gente chegando

por todos os lados

 

toda natureza de carrinhos

de coco

de milho

de açaí

de sorvetes

 

gente prá lá

gente prá cá

 

um verdadeiro "gran mercado" a beira mar

 

as quadras de beach tênis começavam a ser armadas

jogos de bola

muitas bicicletas

 

gente para lá

gente para cá.

 

a manhã vai passando

o sol esquentado

a praia enchendo

o mar avançando

o povo se apertando

 

gente pra lá

gente prá cá

 

pelo meio-dia

tudo mais difícil.

para andar

para se encontrar

para nadar.

um verdadeiro caldeirão de tudo

 

nessa hora, a natureza, dá os primeiros sinais  de exaustão

 

era como se ela nos dissesse.

 

-Ei chega.

-Está bom

-Já estamos passando da hora

-Acho que está ficando apertado por aqui.

-Vamos nos organizar um pouco?

-Vocês já estão muito vermelhos

Vamos dar uma pausa?

 

pois é

mas ninguém ouvia

aliás, nem percebia

 

a confusão só crescia

filas para todos os lados

no sorveteiro, no milho, no coco.

 

o mar se agitava

aquelas águas tão calmas no início da manhã já não eram as mesmas

cansadas eu acho

desse espetáculo intenso

 

e pronto

segundo sinal de exaustão

 

o mar pede ajuda aos céus

que se fecham

E mandam chuva

 

o vento vem correndo

mas ninguém se abala

 

o povo continua.

 

chegam os raios

 

e o pessoal insiste

 

então, como mãe zangada que pede por atenção

a natureza grita

um trovão

daqueles

e atrás dele um vento muito forte começa a assoprar todo mundo de lá

correria para todos os lados

 

um arrastão dos céus

 

dura pouco

 

tira tudo do lugar

 

gente, barracas, baldinhos, toalhas

 

todos começam a correr atrás de suas coisas

 

recolher as crianças

 

gente prá lá

gente prá cá

só que dessa vez, em outra velocidade

 

confusão geral

beirando o desespero mesmo

 

e bem assustados, agora olham para o céu

finalmente se deram conta.

não ouviram os sinais da natureza

 

agora, praia vazia

ninguém mais prá lá

nem pra cá

 

só Sujeira,

barracas quebradas e esparramadas

 

vai dar um trabalhão colocar tudo aquilo no lugar

 

depois desse espetáculo fiquei pensando

será que só funcionamos assim?

só olhamos para as coisas depois dos arrastões do céu?